Alumni em destaque: Neiva Guedes e o Instituto Arara Azul

Essa entrevista está disponível em áudio no Podcast Alumni USP. Dê o play no tocador abaixo para ouvir o episódio.

 

A bióloga, ex-aluna USP, Neiva Guedes pesquisa as araras azuis desde o início dos anos 1990, quando ingressou no mestrado em Ciências Florestais na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz em Piracicaba (Esalq-USP) e escolheu estudar o tema da biologia reprodutiva dessas aves. Com o passar dos anos, a organização de projetos no âmbito da preservação dessa espécie e do estudo do meio ambiente foram sendo executados por ela e equipes de pesquisadores, até que em 2003 ela fundou o Instituto Arara Azul, para manter e incentivar o desenvolvimento científico da pesquisa na área. Diversas conquistas se deram, talvez a maior delas tenha sido a retirada da arara azul da lista de espécies ameaçadas em dezembro de 2014 – o que depois pode ter vindo a ser precipitado pois afrouxou algumas leis de preservação da espécie, como ela explicou em nossa conversa aqui transcrita.

Acompanhe na entrevista a seguir sua trajetória profissional acadêmica, sua pesquisa, projetos, conquistas, opiniões sobre questões ambientais e saiba como ajudar o Instituto.

Bióloga Neiva Guedes. Foto: acervo pessoal

Bióloga e equipe monitorando juvenil de arara azul . Foto: Arquivo Instituto Arara Azul

Alumni USP – Como começou seu interesse na luta contra a extinção das araras azuis? Seu mestrado na USP foi sobre a reprodução dessas araras, que ferramentas técnicas a USP te deu para auxiliar sua atuação profissional e prática em relação a esse tema?

Neiva Guedes – Meu interesse foi despertado quando eu, uma bióloga recém-formada, estava fazendo um curso de conservação da natureza. Eu e os demais técnicos nos deparamos diante de uma árvore seca com um bando de araras azuis, umas trinta, e um professor comentou sobre o processo de extinção delas. Eu sempre digo que foi amor à primeira vista com essas aves porque a partir dali eu percebi que eu não queria que aqueles animais tão bonitos viessem a desaparecer da natureza.

Meu mestrado em Ciências Florestais que começou em 1991 na Esalq-USP foi um trabalho inédito, que desenvolveu todas as técnicas de monitoramento no campo e estudos da reprodução. A turma era formada por uma maioria de engenheiros florestais, eu era uma das poucas biólogas do curso. Então ainda não havia muitas ferramentas disponíveis para esses estudos mais biológicos, mas eu tive muito incentivo e boa vontade dos professores da USP, do meu orientador, professor Álvaro Fernando de Almeida, do coordenador de curso, além de outros pesquisadores, que sempre me ajudaram quando pedi. Consegui até um carro para fazer as visitas de campo no Pantanal por conta do esforço do meu orientador junto da montadora Toyota, que cedeu um veículo adequado para aquele terreno, que foi minha ferramenta de locomoção nas pesquisas por 11 anos, além de eu ter virado a piloto de teste da marca. De maneira geral então, tudo dependeu de um esforço meu, de maneira quase autodidata no desenvolvimento teórico da pesquisa, dos professores do curso e de outras instituições que me auxiliaram. De maneira geral o mestrado na USP foi importante e é uma época que eu tenho muito boas recordações.

Bióloga nos anos 1990 num trabalho em campo. Foto: Arquivo Instituto Arara Azul

Bióloga nos anos 1990 num trabalho em campo, com moradores. Foto: Arquivo Instituto Arara Azul

 

Qual sua atuação profissional atualmente? Coordena o Instituto Arara Azul e dá aulas de Pós em Meio Ambiente? Poderia falar um pouco da sua atuação, algum projeto que participou recentemente?

Sou presidente do Instituto, cuido da parte de técnica, elaboração e submissão de novas propostas, atendimento a jornalistas, coordenação das pesquisas e trabalhos de campo, realizados de maneira contínua. Entre os projetos tocados pelo Instituto, os principais são o Projeto Arara Azul e o Aves Urbanas, aqui em Campo Grande. Temos uma base no Refúgio ecológico Caiman e atuamos esporadicamente numa fazenda no Pantanal de Mato Grosso. Trabalho no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional da UNIDERP, onde oriento alunos de Mestrado e Doutorado em questões de meio ambiente, conservação e e sustentabilidade, bem como colaboramos com grupos de pesquisa de pós em universidades públicas como a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), além do Instituto de Biociências (IB-USP) e Instituto de Medicina Tropical (IMT-USP).

 

Treinamento e monitoramento de araras na cidade de Luque, Paraguai. Foto: Arquivo Instituto Arara Azul

Gostaria que relatasse um pouco da importância do Instituto Arara Azul. Como se dá a atuação do Instituto? Quais objetivos vêm sendo atingidos ao longo dessas quase três décadas?

O Instituto Arara Azul é uma organização não-governamental (ONG), sem fins econômicos, que eu constituí junto com outras pessoas para fortalecer o Projeto Arara Azul. Desde 2003 o Instituto passou a ser o responsável legal e institucional do Projeto. Quando comecei o Projeto eu não tinha o Instituto, ou seja, uma personalidade jurídica. Com o crescimento do Projeto e das ações, novos veículos, capacidade de captação de recursos e contratação de profissionais, acabou tornando-se necessária a criação jurídica, surgindo, então, o Instituto Arara Azul. Em 2013 inauguramos uma sede própria, em Campo Grande, comportando um número maior de pessoas trabalhando, possibilitando também que outros projetos, como o de educação ambiental sejam tocados nesse espaço.

Muitos resultados foram apresentados por meio de publicações científicas, ampliação do conhecimento científico das espécies estudadas, com reconhecimento internacional. Retirada da arara azul da lista de espécies ameaçadas em dezembro de 2014. Essa lista é elaborada por vários cientistas e técnicos do Brasil, e é sancionada pelo Ministério do Meio Ambiente. Para nós isso foi como um prêmio, em 2014 isso foi uma vitória, mas analisando agora talvez tenha sido um pouco precipitado, isso está sendo revisto, para focar a atenção à preservação da espécie de fato.

 

Em tempos de caça ilegal, aquecimento global, poluição, devastação do habitat: é possível apontar um vilão principal contra a luta das araras e do seu Instituto pela preservação da espécie?

É difícil indicar um só, são todos esses pontos que você citou e mais alguns, como novas doenças, construção de novas rodovias… Na verdade é uma conjunção de fatores que levam a essa problemática, não são pontos isolados. A caça, até a década de 1980, fez com que mais de 10 mil araras saíssem da natureza, o que a fez constar na lista de espécies ameaçadas de extinção. Com o nosso trabalho e denúncias da população, esse tráfico diminuiu. Mas ao sair da lista em dezembro de 2014, o tráfico voltou a crescer, porque as penas ficam menos duras para os criminosos pegos com elas ou seus ovos. Nós mantemos um grupo de estudos junto de diversas autoridades como polícias federal e ambiental, Ibama, para tentar diminuir ou coibir a caça e o consequente o tráfico. O aquecimento global é uma realidade, temos estudos e análise de dados há muito tempo nesse sentido, uma das conclusões que chegamos é em relação a temperaturas altíssimas ou mesmo mudanças bruscas de temperaturas, afetam muito a qualidade de vida das araras no nosso Estado. Devastação também tem levado outros animais que ficam sem alimentos a caçar as araras. Além de que é uma relação de causa e efeito, a falta de respeito com as questões ambientas também tendem a levar a problemas econômicos para a sociedade.

 

A bióloga foi homenageada pelo projeto “Donas da Rua” no início deste ano. Imagem: Mauricio de Sousa Produções

Recentemente você foi indicada ao prêmio “Faz Diferença” e homenageada pela Maurício de Sousa Produções, no “Donas da Rua”. Esse reconhecimento traz impactos positivos, maior divulgação do seu trabalho?

Sem dúvida nenhuma. Eu geralmente estou falando para os “convertidos”, acadêmicos, biólogos ou fazendeiros, como por meio de publicações científicas, congressos e reuniões. Quando há premiações ou ações de outros grupos com os quais não tenho tanta conexão, por exemplo por meio da newsletter do Alumni USP, eu não tenho grande conexão com outros ex-alunos da Universidade de São Paulo das diferentes áreas. É muito bom quando um público maior pode ter a chance de conhecer o nosso trabalho e os resultados da nossa pesquisa, para tentar envolvê-las na conservação.

 

Enxerga alguma evolução na conscientização das pessoas ao longo das últimas décadas para a importância da preservação do meio ambiente?

Sim, muita mudança. Acredito que quanto mais falamos desse assunto, nós vemos que o acesso à informação faz toda a diferença. As pessoas absorvem as informações e passam a ser grandes parceiros. O projeto Aves Urbanas tem muitos parceiros, de pessoas que passaram a se conscientizar por meio das informações que chegaram a elas.

É preciso incentivar a cultura ambiental, e também a cultura de doações para essas causas, entre os brasileiros. Acredito que isso pode ser atingido por meio da informação, da pesquisa e da divulgação científica.

 

Como os outros ex-alunos USP podem contribuir apoiando o seu Instituto?

Inúmeras maneiras, a primeira é sempre adquirir conhecimento a respeito das causas ambientais, araras e outros psitacídeos. Os ex-alunos da USP independente de suas áreas de atuação, certamente poderão contribuir por meio do conhecimento. Além da nossa política de patrocínio por pessoas ou empresas, para diferentes ações. Abrimos editais para voluntários, estagiários e oportunidades para pesquisadores associados. Oferecemos também turismo de observação. É só acompanhar a gente no nosso site e mídias sociais para ficar sabendo das ações.

Araras azuis no galho, Pantanal do Perigara, MT. Foto: Willian Menq/Arquivo Instituto Arara Azul

 

Todas as informações podem ser encontrar portanto ao clicar nos links do Instituto Arara Azul:

www.institutoararaazul.org.br

www.facebook.com/institutoararaazul

www.instagram.com/institutoararaazuloficial

YouTube

 

Texto: Rodrigo Rosa