Alumni em destaque: tenor Jean William

Ex-aluno de Música da USP superou barreiras de origem humilde no interior do Estado, vindo de escolas públicas, para conquistar os palcos da Europa

 

De origem humilde, criado pelos avós em uma pequena cidade no interior de São Paulo, Jean William estudou sempre em escolas públicas. Desde pequeno adorava cantar, principalmente acompanhado pela melodia de seu avô, que aprendeu a tocar instrumentos como o violão de maneira autodidata. Ainda adolescente, passou a chamar atenção de algumas professoras que o incentivaram e ofereceram aulas de canto. Até que em 2004 conseguiu ser aprovado para o curso de Música, com habilitação em canto lírico, na USP Ribeirão Preto (atualmente, Música é um departamento da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, FFCLRP-USP, mas na época de sua formação, 2009, era vinculado à Escola de Comunicações e Artes, ECA-USP). Hoje atua como tenor em diversas apresentações, inclusive pela Europa. Conheça sua história.

Com uma população de aproximadamente 30 mil pessoas, a cidade de Barrinha, onde viveu e cresceu, não contava com um hospital público à época de seu nascimento. Portanto sua mãe teve que ir até a limítrofe cidade de Sertãozinho para dar à luz. Criado pelos avós maternos, foi por conta de seu avô que se deram seus primeiros contatos com música. Seu Joaquim tocava estilos como chorinho e música de raiz, enquanto Jean aproveitava para cultivar essa convivência para cantar enquanto ele tocava o instrumento. Começou a ser conhecido na região como “o menino que canta”, porque, conforme relembrou em entrevista conosco, “eu subia no telhado de casa, ficava olhando pro céu e cantava, então as pessoas escutavam”. Não demorou para o menino passar a fazer apresentações, as primeiras foram na Igreja católica da região.

Na adolescência surgiu o interesse pelo rock. Montou uma banda em que foi, claro, o vocalista, e tocavam em bares da região. Nessa fase da vida participou de um concurso de música, em que o premiado ganhava um curso de canto lírico. Foi assim que, ao sair vencedor, conheceu uma professora. Como a família de Jean não teria condições de pagar um curso de canto popular e a professora não poderia ajudá-lo com o rock, o recém-chegado estudante disse para ela que “sabia imitar o Pavarotti”. Ela riu achando que era brincadeira, mas ao imitar o tenor ela pôde ver seu potencial para o canto lírico, e assim começaram a trabalhar a técnica vocal.

Assim Jean fez sua primeira apresentação após alguns meses de estudo para aprimorar sua técnica vocal. Foi em um simpósio de educação, ao se apresentar com a canção “Con Te Partirò” que chamou atenção de outra professora, chamada Julia, que o abordou e fez uma comparação com o cantor Enrico Caruso. Jean brinca, em nossa conversa, que ela praticamente o adotou, investindo em aulas de teoria musical, de línguas etc. Nessa época ele também se preparou para o vestibular na USP Ribeirão, para estudar o canto lírico. Nessa altura da conversa já estava óbvia sua preferência por cantar, mas ao ser perguntado sobre suas habilidades com instrumentos, Jean conta que aprendeu alguns instrumentos de ouvido com o avô, como violão e piano. Hoje domina a leitura de partituras.

 

Fonte: acervo pessoal do artista

 

Como foi conseguir chegar à USP e quais ferramentas a graduação te ofereceu para que hoje você construísse uma carreira de sucesso?

Jean William – “A graduação certamente me ofereceu muitas ferramentas. Primeiro que eu ter entrado na USP foi um grande choque. Vim da escola pública, de uma família muito pobre, que não tinha contato com o universo da música clássica. De certa forma meus colegas de turma tinham, já participavam de conservatórios ou até mesmo de festivais fora do Brasil. Foi um grande choque cultural que trouxe ferramentas importantes, como um aprofundamento maior na teoria musical, na história da música. Pude me relacionar com profissionais da área, além de toda questão estética que envolve a arte de uma maneira geral. Uma gama de conhecimento e contatos, além de ser também uma grande vitrine, afinal a USP é a universidade mais importante do Brasil, e não falo isso porque estudei nela, isso é um fato comprovado (risos). Desde que me graduei, não deixa de ser uma ferramenta a própria ostentação desse diploma da Universidade de São Paulo.”

 

A graduação na USP permitiu que, ao se consolidar na carreira, se apresentasse com artistas famosos da MPB, como Fafá de Belém. Jean conta que acabou virando amigo de algumas cantoras, como a própria Fafá, Mônica Salmaso e Fabiana Cozza. Portanto perguntei como ele enxerga a importância de se estabelecer esse contato entre a música erudita e a popular:

 

Jean William – “Entendo que minha formação foi de música clássica, o que me preparou para subir no palco e conseguir cantar uma ópera, obras sinfônicas – como a 9ª de Beethoven –, obras sacras – como Réquiem de Mozart –, ou obras mais modernas como as compostas pelo Professor Rubens Ricciardi (docente e também ex-aluno da USP). A formação acadêmica trouxe essa possibilidade de conseguir interpretar técnica e artisticamente esse tipo de repertório. Mas como cresci no interior e tive contato com música caipira, isso então faz parte de mim desde sempre. Além de pessoalmente ter gostos da música popular, a importância está nessa ligação entre os artistas de um modo geral. Existem muitas obras da música popular que têm a mesma complexidade de obras eruditas. Desde que haja uma harmonia e coerência entre os estilos que eu vou me propor a cantar. E que acima de tudo, diante de toda técnica, estética, filosofia e ciências, também haja diversão. A simplicidade de fazer aquilo por paixão, que é o que me move.”

 

Jean William e a cantora Fafá de Belém.


Fonte: acervo pessoal do artista

 

Por fim, quais as principais barreiras que você aponta que enfrentou ao longo da carreira nesse meio da música erudita?

Jean William – “Dificuldades aparecem por inúmeras questões, deficiências técnicas que tive que correr atrás e melhorar, e outras que não estão na sua decisão, uma delas é o preconceito e racismo. Ao longo da carreira enfrentei algumas batalhas desagradáveis, dentre elas destaco sempre que foi ter que ouvir um “conselho” de um educador que disse que eu não deveria seguir a carreira na ópera, porque a cor de minha pele me impediria de interpretar papéis de protagonismo dentro das óperas, pois elas em geral contam histórias de príncipes e não existem príncipes negros. Então o racismo e o preconceito são uma barreira para mim e outros amigos e cantores brasileiros e também estadunidenses. Recentemente em Viena, após me apresentar num concerto com uma colega negra, ela foi abordada por uma senhora perguntando pra ela de onde ela veio, o que foi respondido que foi dos Estados Unidos. A senhora ficou insistindo até a própria falar que estava se referindo a sobre qual país africano eram seus antepassados, como se não fosse possível uma negra ser de um país desenvolvido economicamente. É muito comum e muito doloroso, até hoje ver uma minoria interpretando papéis que não sejam especificamente escritos para negros nos palcos ao redor do mundo. É uma dificuldade ainda a ser enfrentada.”

 

Para contratar aulas de canto com o artista, envie um e-mail para aulacomjean [at] gmail [dot] com

 

Confira sua agenda de apresentações para os próximos meses:

06/03 Ribeirão Preto-SP

17/03 Sesi – Avenida Paulista, São Paulo-SP

18/03 Palácio do Governo, São Paulo-SP

26/03 Jundiaí-SP

05/04 Teatro Bradesco, São Paulo-SP

19/05 Savona – Itália (9ª Sinfonia de Beethoven)

 

Texto: Rodrigo Rosa