A atual condição do Museu Paulista da USP

Reformas estão programadas para começar em 2019. O museu suspendeu a visitação em 2013, por conta de infiltrações no forro do teto

Vista aérea atual do Museu Paulista e Parque da Independência. Foto: www.hf.arq.br

Com um rico acervo, por volta de 450 mil obras – entre pinturas, gravuras, fotografias, vestimentas, louças, armas, documentos, além da importância do próprio prédio inaugurado em 1895 – o Museu Paulista, também conhecido por Museu do Ipiranga, teve que deixar de receber visitas do público há cinco anos. Em agosto de 2013 o forro do teto apresentou sinais de que poderia desabar e a administração do Edifício-Monumento deu início à remoção do acervo e abertura do consequente processo de reforma do espaço. Nos meses seguintes a essa decisão, iniciou-se um processo de busca de imóveis a serem alugados para abrigar o acervo e a reserva técnica. Estes imóveis, antes, submeteram-se à reforma para terem condições de receber as obras e peças, muitas datando mais de um século de existência e que necessitam de cuidados de conservação.

Algumas obras, entretanto, permanecerão no prédio durante a reforma, como a famosa pintura “Independência ou Morte” de Pedro Américo.

Réplica de “Independência ou Morte” (1888), Pedro Américo, em exposição no Palácio dos Bandeirantes

A intenção é que o Museu Paulista seja reinaugurado no bicentenário da Independência do Brasil, em 2022. A reforma está prevista para começar em 2019. Após processo de licitação com apresentação de um projeto vencedor, a empresa arquitetônica “H+F” foi contratada e deve iniciar seus trabalhos ano que vem. Os arquitetos donos da empresa, Pablo Hereñú e Eduardo Ferroni, são ex-alunos ambos graduados e mestres pela FAU-USP.

Contatei, via telefone, o arquiteto Pablo Hereñu, para nos explicar sobre o projeto da reforma. Segue a entrevista em sua íntegra:

Qual o maior desafio em restaurar um edifício de arquitetura do século XIX e até onde é possível modernizá-lo?

“O desafio é primeiro de leitura de quais são as maiores qualidades do que é considerado patrimônio. Na nossa visão tem o edifício propriamente, que evidentemente é um elemento importante, mas tão importante quanto é o parque e sua relação com o edifício. Então esse foi um ponto de partida para decidirmos como ia se organizar o projeto. Porque uma das premissas que adotamos era não criar nenhum ruído nessa relação atual que é muito forte, da inserção do edifício na paisagem associado ao parque e a todo eixo urbano que faz parte dessa intervenção. O edifício arremata um eixo monumental que se prolonga a partir dele, na direção norte, por todo parque da Independência, o córrego, que também passou por um processo de paisagismo, a Avenida Dom Pedro, enfim, um pedaço grande da cidade organizado a partir desse conjunto monumental. Nossa proposta foi de atender ao que era solicitado pelo projeto sem criar nenhum ruído nessa relação que hoje a gente identificou como muito forte e que não nos parecia adequado inserir um elemento novo, algo que se destacasse e que interferisse nesse diálogo que já está lá hoje. Então este foi um desafio, como atender a tudo que era solicitado sem que isso tivesse uma presença física muito destacada. O desafio para o nosso projeto foi esse, buscar inserir elementos de uma forma muito sutil.”

Sobre alguns elementos que serão inseridos como o saguão de acesso/ entrada e uma nova torre no edifício, gostaria que você falasse um pouco mais sobre isso.

Sobre a sua pergunta em relação à modernização, essa modernização se organiza em duas frentes: uma é a ampliação que é feita em subsolo, solicitada pelo edital do concurso. Essa ampliação contém as partes do programa que ajudam a modernizar o conjunto, que agora vai ser o edifício existente, com essa ampliação e o parque. O novo museu que vai ser inaugurado em 2022 vai ser a somatória desses três espaços. Essa ampliação do subsolo vai receber todo o setor de acolhimento e recepção de público, que é algo que o edifício existente hoje não tem como oferecer, porque ele é relativamente pequeno. O público do museu é muito grande, não tem um espaço amplo o suficiente para cumprir essa função. Então esse anexo complementa e permite que o edifício tenha espaço de recepção de público mais adequado a este período histórico atual. Ele fica em subsolo, na parte frontal do edifício, num lugar que é chamado de esplanada de acesso ao museu. Essa localização tinha algo interessante, que o limite desse anexo é um muro de arrimo que foi feito numa reforma inaugurada em 1922, e este arrimo era potencialmente uma fachada dessa ampliação, portanto é um subsolo, mas não completamente enterrado. Como o parque vai descendo, quando chega no ponto deste muro ele se torna na verdade uma fachada aberta para o parque, e foi nesse muro que localizamos as novas entradas para a ampliação, que vai ser a nova entrada principal do museu, com este setor de recepção e acolhimento, neste anexo.

E quanto ao anexo no edifício?

“A segunda frente da modernização é a criação de setores que hoje o edifício não possui. Além do acolhimento do público, outro setor novo será uma área para exposições no anexo, dotada de infraestruturas museológicas exigidas internacionalmente – como ar condicionado, controle de umidade – para receber acervos emprestados, que o edifício existente hoje não comporta. Se você for receber uma obra de arte de um museu da Europa ou Estados Unidos, se não for cumprida uma série de condições, eles não emprestam a obra, e isso era uma limitação muito grande para o Museu Paulista, pois não podiam receber nenhum acervo emprestado. Os museus em geral têm suas exposições de longa duração, onde é exposto seu acervo próprio e outras temporárias, onde pode se expor itens emprestados, então essa possibilidade não se tinha. E mesmo o acervo próprio, tem muitas peças delicadas, frágeis, do ponto de vista da conservação, que não podiam ser expostas, pois o edifício não tem essas condições. Essa modernização através dos ambientes, com infraestruturas mais completas estão no anexo. No edifício existente ela tem dois aspectos: um é das instalações, hidráulicas e elétricas, lógica, cabeamento, wi-fi, automação etc, tudo isso está previsto e será inserido, de uma maneira delicada, no prédio existente. Mas os itens mais importantes tinham relação com a segurança para se adequar às normas atuais do corpo de bombeiros, ou seja, circulação vertical, escada protegida, elevador – hoje só há um muito antigo que não comporta transporte de cadeira de rodas. Essas questões de novas escadas e elevadores, nós concentraremos na parte central do edifício, que foi chamada de torre infra estrutural. Neste único ponto faremos então uma modificação maior, que será para a inserção de dois elevadores, uma escada protegida, sanitários, salas técnicas, nesta parte sul da torre central. Então o edifício receberá, de uma maneira geral, intervenções bem sutis e delicadas que quase não aparecem.”

Já há uma data prevista para o início da reforma?

“A gente tem um cronograma de entregar o projeto executivo nos primeiros meses de 2019, a partir daí terá que ser feita a licitação da obra. O início da obra ocorreria provavelmente no segundo semestre de 2019. Essa é a previsão.”

 

As imagens a seguir, retiradas do site da empresa de arquitetura, apresentam o projeto dos aspectos que serão trabalhados na reforma a ser iniciada.

Resumo das propostas de intervenção, com novo acesso, acolhimento, torre e anexo. Imagem: www.hf.arq.br

Projeção do novo acesso, com entrada subterrânea e acolhimento com visão para o parque. Imagem: www.hf.arq.br

 

Entrevistei também, para contar sobre sua trajetória e situação do museu, a Profa. Dra. Solange Ferraz de Lima, formada em História, com mestrado e doutorado em História Social, pela USP. Ela é a atual diretora da Instituição.

Além de diretora, a senhora é professora livre-docente do Museu Paulista. Como que se dá essa atuação?

“Ministrei disciplina de graduação optativa do Museu Paulista – Fotografias em acervos museológicos, e estou no programa de pós-graduação em História Social e no programa de pós-graduação interunidades de Museologia. A minha área de atuação é cultura visual, com especial atenção para a fotografia e os processos derivados – processos fotomecânicos de impressão. Tenho orientandos de mestrado e doutorado, a maioria discutindo temas ligados a Cultura Visual. Minha linha de atuação é nesse campo entre Cultura Material e Cultura Visual. Minha formação acadêmica aconteceu já em diálogo com a curadoria, portanto, trabalho e oriento pesquisas sempre a partir da análise e curadoria de coleções.”

A senhora poderia falar um pouco sobre sua atuação mais recente enquanto pesquisadora? Por exemplo, a tese de livre-docência foi publicada em livro pela Editora do Sesc. Como foi realizar a pesquisa a partir do acervo fotográfico do Sesc? Qual a riqueza dessas imagens para se escrever sobre História?

“Eu trabalhei com um tipo de acervo que, a princípio, passa despercebido como fotografia a ser preservada. Trabalhei com a produção fotográfica de dois periódicos importantes do SESC – a Revista do Comerciário e SESC em Marcha (1947 a 1960 aproximadamente), período de criação e afirmação do SESC. As revistas ilustradas foram importantes meios de conquista de novos associados, e procuravam dialogar e formar hábitos culturais e de lazer na população. Trata-se de um momento especial na sociedade paulistana, de formação de uma cultura metropolitana e integração de novas camadas sociais, formadas pelo setor terciário. O comerciário ocupava um lugar distinto no tecido urbano se comparado com o operário da fábrica. Ele estava na linha de frente do mercado de consumo (em expansão nesse período), e dos serviços urbanos. O centro da cidade era o locus privilegiados de trocas culturais entre as elites (sempre no plural) e esse novo contingente de trabalhadores. O SESC formou padrões de gosto, hábitos culturais. E as imagens, nessas revistas, desempenharam um importante papel nesse processo. Um papel exemplar e, ao mesmo tempo, de evidenciar certas tensões, como o da mulher, que começa a integrar com maior intensidade o mercado de trabalho mas sem ser liberada das funções de dona de casa. A partir do conjunto de imagens analiso também os diálogos da produção fotográfica da imprensa diária e, até certo ponto, “banal” de revistas dessa natureza e as vanguardas artísticas na fotografia.”

Sua gestão no Museu Paulista está trabalhando para transferir o acervo para imóveis alugados, a fim de resguardar as obras de arte e demais objetos do acervo. Como que se dá a atividade de pesquisa nessas condições, os pesquisadores do Museu têm acesso a esse acervo (além do que está aberto ao público no Palácio dos Bandeirantes e em outras exposições)?

“Todo o nosso esforço é no sentido de manter a pesquisa aberta não só para os curadores da casa (o nosso corpo docente) como para pesquisadores de fora. Somos um museu universitário comprometido com a pesquisa e ensino, e isso era fundamental. Além disso, o edifício oferecia risco para o acervo. Ele foi fechado por essa razão. E para a restauração e modernização era impensável manter os acervos no edifício. A exposição no Palácio apresenta uma parcela mínima do nosso acervo. Temos mais de 400 mil itens, entre objetos, documentos textuais e iconográficos.”

O prédio do Museu Paulista tem problemas estruturais graves?

“O edifício não tem problemas estruturais graves. Mas tem muitos problemas de deterioração das fachadas, necessita ter todas as suas instalações elétricas e hidráulicas modernizadas e não é acessível. Um museu desse porte precisa ser acessível. Ele sofreu com intervenções no subsolo que abalaram, há 50 anos, a estrutura. Mas esta já se acomodou. O grande desafio é mesmo o restauro e a acessibilidade.”

A reforma tem data para ser iniciada? E a verba para a reforma? Como se dá a captação? Já há verba disponível para que se inicie a reforma na data prevista?

“Estamos no processo de captação e até agora conseguimos dar conta do projeto executivo que finaliza no primeiro trimestre de 2019. Estamos preparando o projeto de captação (via Lei Rouanet e outros fundos) para as obras. E a USP está apoiando as ações por meio de um grupo de trabalho que reúne membros da reitoria, da pró-reitora de cultura, da secretaria geral, da controladoria. É um grande desafio. Mas o Brasil merece um edifício restaurado para abrigar as celebrações do bicentenário da independência. Temos condições de entregar a obra no tempo, e estamos nos esforços de captação de recursos.”

 

Parte do acervo do Museu Paulista pode ser visitado pelo público em geral em ocasiões pontuais. Ano passado, por exemplo, houve uma exposição na Pinacoteca. Este ano, o visitante tem até 20 de janeiro de 2019, para visitar a “Arte e História nas Coleções Públicas Paulistas”, no Palácio dos Bandeirantes em São Paulo, sob curadoria do ex-aluno USP, o historiador Paulo Garcez, que é bacharel, licenciado e doutor pela FFLCH-USP. São por volta de 200 peças do Museu Paulista, da Pinacoteca e do acervo do próprio Palácio do Governo. O endereço é Avenida Morumbi, 4500, Morumbi, São Paulo-SP. Funcionamento de terça a domingo, das 10h às 16h, a entrada é gratuita. Recomendo que seja solicitada na recepção a visita monitorada, onde fui acompanhado pelo educador Rafael Gomes, que foi bastante atencioso e mostrou olhar crítico sobre as obras e peças expostas. A seguir algumas fotos da exposição, com porcelanas, ferros de passar e mobílias, da época do império, e algumas das diversas pinturas expostas.

 

“Fundação de São Vicente” (1900), Benedito Calixto

 

Texto e fotos: Rodrigo Rosa