Entre os dias 25 e 27 de abril, aconteceu no auditório do MAC-USP o seminário internacional “Arte Degenerada – 80 anos: Repercussões no Brasil”, a fim de debater as exposições realizadas pelo Terceiro Reich alemão, que tiveram o intuito de difamar a arte moderna diante do público, além de perseguir aqueles artistas e destruir várias daquelas obras. O seminário ocorreu em complemento à exposição no Museu Lasar Segall intitulada “A arte degenerada de Lasar Segall: perseguição à arte moderna em tempos de guerra”.
O seminário, com boa presença de público e pesquisadores da área, teve quatro mesas, com dois ou três especialistas, inclusive estrangeiros, em cada uma. Na primeira mesa, foi possível acompanhar a fala da Profa. Dra. Annateresa Fabris, da ECA-USP, com o título de “Entre ciência e sociologia: a arte moderna como manifestação patológica”. A docente fez a relação entre os discursos de eugenia em voga no governo nazista alemão da época, a produção moderna e comparações desta com a arte produzida por pessoas com condições psiquiátricas. O discurso do Terceiro Reich comparava – por meio de catálogos da exposição Arte Degenerada, por exemplo – obras de Paul Klee a de pessoas com esquizofrenia. Tal discurso pretendia desqualificar a produção artística, como feita por (e talvez, para) os assim chamados loucos.
O Prof. Dr. Olaf Peters, alemão, da Martin-Luther-Universität Halle-Wittenberg, foi o segundo convidado da mesa a falar. Trouxe alguns estudos históricos importantes sobre detalhes que levaram o Terceiro Reich a organizar as exposições Arte Degenerada, assim como a Grande Exposição de Arte Alemã, com as obras aprovadas pelo governo alemão. Ambas as exposições foram feitas às pressas, obras eram escolhidas para uma ou para outra mostra em cima da hora, com critérios não tão claros assim. O pesquisador trouxe a informação de que a princípio o expressionismo ficou a salvo dos fanáticos nazistas. Com o desenrolar político daquele regime, aproveitando-se da distância daquela arte e o público leigo, ou seja, o abismo que havia entre a produção artistas e intelectuais de um lado e pessoas comuns do outro, usou-se da ignorância e moralismo das pessoas para justificar os ataques e a organizar as exposições da Arte Degenerada para o público. Como se sabe, o expressionismo acabou se tornando o principal alvo delas.
A mesa seguinte, composta por outros três especialistas, começou com a fala de Paulo Knauss, doutor pela Universidade Federal Fluminense, que estuda a presença da arte estrangeira no Brasil. Comentou que algumas coleções particulares também sofreram consequências da guerra. Alguns donos conseguiram salvar suas coleções as escondendo, muitas foram doadas para museus nacionais, por vezes em outros países. Algumas exposições puderam acontecer por conta de ações diplomáticas entre os países envolvidos. Durante a guerra, a França, por exemplo, começou a expor obras no Brasil.
A fala do pesquisador Keith Holz, da Western Illinois University, “Why Defend Degenerate Art?”, explorando a questão dos países democráticos terem dado apoio à arte e aos artistas considerados degenerados, com exposições logo após as alemãs de 1937. Destaque para a “Exhibition of 20th century of german art” na New Burlington Galleries em Londres. Outras diversas exposições com obras “degeneradas”, defendendo-as, ocorreram nos Estados Unidos em 1939 e 1940, como no San Francisco MoMA, um ano após a exposição de Munique.
A fala seguinte foi da Profa. Dra. Helouise Costa, do MAC-USP, tratando de como o antimodernismo entreguerras atingiu Lasar Segall, colocando em xeque o mito da América acolhedora e livre, especialmente quando uma pintura autorretrato dele foi atacada à navalha por defensores dos regimes fascistas em 1928. Comenta sobre o grande sucesso da exposição Arte Degenerada em Munique em 1937 (o que não revela algo favorável à arte moderna, por conta da intenção dela, com as obras expostas uma sobrepostas às outras, sem cuidado, e com diversos textos “explicativos” as difamando), que contou com dois milhões de visitantes apenas nessa cidade, e o pouco sucesso da Grande Exposição de Arte Alemã, das obras aprovadas pelo Terceiro Reich. Cinco obras de Lasar Segall estavam presentes na exposição da Arte Degenerada em Munique. Então entre as diversas contra-exposições que começavam a acontecer, destacou-se as dos refugiados alemães, entre eles judeus progressistas, denunciando a situação com comícios, passeatas, artigos, além das exposições, para tentar convencer o público de que a posição do Terceiro Reich era errada.
No dia seguinte, a Profa. Dra. Maria Luiza Tucci Carneiro, da FFLCH-USP, falou sobre artistas brasileiros modernistas, e entre eles alguns eram imigrantes refugiados e judeus progressistas. Citou o autoritarismo na época do governo Getúlio Vargas e as caricaturas dele feitas pela artista imigrante Hilde Weber. Analisou ainda a importância de algumas livrarias no contexto da ditadura, que listavam e divulgavam os livros confiscados pelo DOPS.
A próxima convidada foi a Profa. Dra. Daniela Kern, da UFRGS, que expôs sua pesquisa sobre Hanna Levy e Irmgard Burchard, refugiadas importantes na luta antifascista da época na América. Hanna foi uma historiadora da arte, incansável defensora da arte moderna, que abandonou seu doutorado em Munique – com um professor que viria a se tornar nazista – para fugir da guerra, e ela teceu críticas aos historiadores da arte que ignoravam o viés político de obras críticas ao nazismo. Irmgard foi marchand, e depois pintora, que estudou na França. Artistas da exposição da Arte Degenerada, já banidos da Alemanha, foram expostos na Inglaterra e tiveram uma boa aceitação entre os intelectuais de lá. Irmgard buscou maneiras de fazer doações de dinheiro para estes artistas, o que reforça a ideia de que ela como marchand não quis apenas enriquecer com a arte moderna alemã, mas também tinha preocupações com os artistas diante daquela perseguição.
A última fala do dia foi do Prof. Dr. Maurício Lissovsky da UFRJ, que fez uma análise da arquitetura no Brasil entre 1930 e 1940. Havia muito preconceito diante das construções modernistas, num discurso que criticava diversos aspectos delas como por exemplo grandes colunas visíveis em prédios. Comentários entre os defensores de uma arquitetura mais tradicional associavam aquelas construções a coisas animalescas. Enquanto o jornal Meio Dia tecia duras críticas ao Portinari, por exemplo, ele próprio e Le Corbusier já estavam fazendo muito sucesso nos Estados Unidos.
No último dia do seminário, a mesa foi aberta com a fala da pesquisadora alemã Meike Hoffmann, da Freie Universität Berlin. Ela teceu um panorama histórico do expressionismo, relatando que o pintor do grupo expressionista de Dresden Karl Schmidt-Rottluff conheceu Hildebrand Gurlitt, historiador da arte que veio a se tornar marchand expressionista. Gurlitt foi considerado de raça mista pelos nazistas, pois é descendente de judeu. Descendentes, a princípio, não foram perseguidos. Apesar de algumas exceções e diferentes interpretações sobre o posicionamento político do movimento expressionista, a pesquisadora relaciona os artistas de Dresden como progressistas, e enalteceu a consciência social de Otto Dix – este que não era do grupo e nasceu em uma cidade razoavelmente próxima a Dresden, chamada Gera. Gurlitt comprou um número altíssimo de obras do expressionismo e organizou exposições, inclusive, no começo, sob os olhos de Goebbels, que tinha interesse nas obras e proferiu a frase “Queremos tentar ganhar dinheiro com este lixo”. As pinturas foram postas à venda no palácio Schönhausen, ao norte de Berlin em 1938. Até que, passado algum tempo, Gurlitt teve a primeira exposição fechada pelo Terceiro Reich e teve de se mudar de cidade algumas vezes.
A fala seguinte foi da Profa. Dra. Ana Magalhães, do MAC-USP, que tratou da história da aquisição de obras por museus brasileiros e o que isso significou. Por exemplo, o autorretrato de Modigliani veio para o Brasil e na época ficou esquecido do mundo e pouco conhecido por aqui. Falou sobre Francisco Matarazzo Sobrinho e a construção do MAM-SP. Analisou ainda Margherita Sarfatti, italiana, crítica de arte, apoiadora de Mussolini que comprou obras italianas e tentou ditar para o mundo o que era arte moderna.
A última fala do seminário ficou por conta da Profa. Dra. Claudia Valladão de Mattos Avolese, da Unicamp, que dedicou boa parte de sua pesquisa à Lasar Segall, artista brasileiro inspirado inicialmente nos artistas de Dresden e Berlin, buscou, depois inspirações mais classicistas, como de forma, massas e volumes. Comentou sobre alguns livros que ela publicou, entre eles “Lasar Segall: expressionismo e judaísmo”. Analisou a obra “Máscaras” de Segall – uma das menos conhecidas do artista, que pertenceu ao acervo particular da família até 2013 – que para ela tem um ar de mistério e enigma, e parece ter inspiração na metafísica de De Chirico. Destacou na obra, no meio da sobreposição de imagens, a presença da deusa Minerva e o que ela representa, que é o imaginário clássico, que o nazismo enaltecia, inclusive com a utilização da imagem da deusa em alguns de seus folders. Ou seja, a discussão em torno das críticas de Segall àquilo. Outra das figuras na obra lembra a fase expressionista, fazendo da pintura final algo que demonstra como ele foi um artista complexo e humano.
Na discussão sobre a autonomia da arte em relação à política, a pesquisadora apresentou uma frase de Segall em uma entrevista à Folha de S. Paulo em 1933 de que “a arte proletária não existe, arte sempre foi individualista”. Entretanto, em 1937 Segall pintou a obra “Pogrom”, voltando a dialogar com uma questão mais politizada, sobre o extermínio dos judeus.
Texto e foto: Rodrigo Rosa